Há a beleza para os olhos e há a beleza para as mãos.
Podem coincidir, mas em geral elas aparecem separadas tanto para o homem
quanto para a mulher.
A “mulher linda” é a mulher para os olhos, a “mulher
gostosa” é a mulher para as mãos. A “mulher linda” é uma peça estética, a
“gostosa” é um elemento erótico-sexual. A “linda” não tem rugas e
pequenos defeitos, mas eventualmente pode se dar ao luxo de carregar
ambos. Patrícia Pilar sempre foi linda, mesmo exibindo dentes tortos e
nariz adunco. A “gostosa” precisa ter rugas e pequenos defeitos, e pode
ficar melhor se a natureza caprichar nos defeitos. Vera Fischer é hoje
uma mulher pesada, sardenta, com rugas e marcas e com um sorriso que
entorta um pouco a boca – por isso mesmo está mais “gostosa” ainda.
Os americanos distinguem esses dois tipos de que estou
falando chamando a “linda” de “sexy girl” ou simplesmente “hot”. Em
geral é a mulher jovem, e às vezes se apresenta sob o modelito
universitário ou colegial. Dentro desse tipo tem aquela que é para o
quarto ou para a farrinha de escola, e pode então exibir uma
barriguinha, e tem outra que é para a passarela e até cinema, que não
vai apresentar barriga e manterá as chamadas “proporcionalidades
ótimas”. Chamam a “gostosa” de “sexy cougar”, a mulher madura já com
seios mais avantajados, mais peso, mas que não perdeu as formas. Dentro
desse tipo cabem variações, pois sendo este o campo de defeito por
excelência, então é nele que a natureza fica livre para a criatividade,
de modo que uma barriga pode agradar tanto quanto uma barriguinha.
Adornos intelectuais e morais ajudam uma mulher se ela é
“linda” ou “gostosa”. Poder de comando no trabalho, na vida em geral e
mesmo na política, agora, também colaboram. Alteram a postura, o modo de
andar, falar e olhar. Mas não é isso tudo que rege diretamente a
influência sobre o que é ser “linda” e o que é ser “gostosa”. A regência
direta se faz pelo saber-se “linda” e saber-se “gostosa”. A mulher que
sabe o que ela representa para os olhos e mãos dos que a observam, sejam
homens ou mulheres, acentua instintivamente suas características que a
fazem cair num campo ou noutro. Não é só por feedback positivo, não,
pois se fosse só isso seria como é para tudo. Afinal, tendemos a fazer o
que se espera de nós. Mas o que eu digo é diferente. Falo da mulher que
sabe de seu potencial de um modo tal que é capaz de acentuá-lo de
acordo com estratégias de sedução adrede preparadas. Uma “cougar” de
seios avantajados pode abusar de um decote, em alguns momentos, quase
que tangenciando o vulgar, mas sem perder aí o “quase”. Uma “hot” alta
pode abusar dos saltos, em alguns momentos, quase que tangenciando o
perigo de ficar sem parceiro em uma festa.
A arte da sedução, exercida pela mulher, depende sempre
desse “quase”. Em certas condições sociais, a busca pelo vulgar,
incômodo e exagerado, sempre tem um ponto ótimo. Um ponto que dista do
alvo segundo uma medida mágica, sendo que o alvo é o vulgar, o incômodo e
o exagerado. Ou seja, o alvo é podre, mas o fruto é delicioso um
milímetro antes da região ruim. Quem atinge esse ponto conscientemente
(e não o alvo) dá um passo decisivo na profissão de sedutora.
Aperfeiçoar isso, para realmente seduzir, então, depende do movimento
corporal. Nesse caso, as mulheres podem ser divididas em “soft” e
“hard”. As primeiras desfilam, são leves, se movimentam com facilidade e
posam sem posar. As segundas possuem movimentos mais toscos, e se posam
até podem salvar um pouco a situação – posar estaticamente é sempre um
erro, que pode se transformar em paliativo para quem andando é um
desastre. Uma coisa é certa, nos dois casos, ou se aprende a andar de
salto ou dificilmente será mulher.
Mulher sem salto é sempre uma entidade a caminho de
alguma coisa, mas se vai chegar, ninguém sabe. Não se garante a uma
mulher sua condição feminina, que é o básico para terminar sua educação
filosófica como sedutora, se ela não sabe andar de salto naturalmente.
Afinal, só um homem fora da sua condição masculina, e com o cérebro bem
danificado pela adoção dogmática de alguma doutrina política, faria
espontaneamente sexo com uma mulher de tênis, “rasteirinha” ou coisa do
tipo. Um homem de gosto, inteligente e livre, não faz isso.
Mulher fora dos saltos é para dirigir carro. Para ser
dirigida pelos cabelos, é com salto. Nesse segundo caso é que se pode
perguntar se é “friboi”, mas só em pensamento. Também o machismo tem o
seu “quase”.
* Paulo Ghiraldelli, 56, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ – http://ghiraldelli.pro.br
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